01/05/2024

Notícias de Mizico, Medonho, Lorentino, Canuto , Leonardo e outros gigantes do  boi de zabumba

Ê quiô, ê quiô! / De Guimarães para São Luís

Por Herbert de Jesus Santos

O melhor da Cultura Popular Maranhense perdeu, no dia 5.8.2013, aos 88 anos de idade, a figura importantíssima do folclorista Canuto Santos, brincante e dirigente do boi de zabumba e do tambor-de-crioula da Vila Passos, tendo seu corpo sido velado em sua residência, na Rua Castro Alves, 22, naquele bairro, para onde veio aos nove anos de idade, de Guimarães, e permaneceu, entre nós, no Parque da Saudade (Vinhais), desde a tarde do dia 6. Na noite da véspera desse São João, não foi visto, na Igreja de Nossa Sr.ª das Graças (na Rua 21 de Abril, na Vila Passos),  recebendo bênção, para iniciar a temporada, sendo representado por sua filha.

Conheci-o de vista, no meado da minha infância, ele, ao lado de Mizico (Raimundo Hemetério), dono e cabeceira do boi de zabumba bem-guarnecido da Vila Passos, como os de Lorentino (Laurentino), da Fé em Deus, e de Medônio, ao qual a soberana resolução popular passou a chamar de Medonho, no Matadouro (antes de ser Bairro da Liberdade), e ficou. Todos eram chegados da minha casa paterna, na Madre de Deus, por ser a Minha Avó, Marcela (Marcelina Cirila dos Santos), zeladora da primeira Capela de São Pedro, onde eu, no amanhecer da Festa do Padroeiro dos Pescadores —após deliciar-me com o  mingau de milho e tapioca que ela preparava—,  em pé, num banco de madeira, tinha uma posição privilegiada para ver aonde caíam as miçangas e canutilhos das vestimentas dos vaqueiros e dos couros dos mimosos, guardados por mim, nos meus cinco anos de idade, numa caixa de papelão, como se fossem brilhantes sem-fim, o meu primeiro presente de Natal. Tempos depois, li que aquele brilhoso todo fora invenção de Lorentino, cuja fama caiu na boca do povo, em alusão de que mulher muito emperiquitada e de vestido reluzente estava “Mais enfeitada do que o Boi de Lorentino”! Nunca fui meter a boia, na morte do seu galheiro, e escapei de estar em sua ferina toada, que errava sempre o português, nunca o alvo, que nem ele flagrou um seu vizinho da Fé em Deus: “Xô, xô, xô, passo preto avoador,/pra brincá boi tu não veio,/pra cumê quem te chamou?!”

O folclorista e jornalista com a fonte da informação — No auge da minha adolescência, estudante do Liceu, e em cursos acadêmicos da UFMA (Direito e Comunicação Social-Jornalismo), eu não perdia uma festa dançante da morte do Boi da Vila Passos; mesmo sem privar do prestígio de Canuto Santos; eu tinha amizades e namoradas, na extensão do tempo, que facilitavam meu ingresso para o regabofe. Ganhei sua prazerosa consideração, no Serviço de Imprensa e Obras Gráficas do Estado (Sioge), na presidência do advogado e professor universitário Antônio José Muniz, em 1993, quando ele recebeu apreciável apoio, para as suas brincadeiras e promoções festivas, do diretor administrativo-financeiro da casa, Expedito Moraes, em forma de cartazes, entrando eu aí na parte que me competia: a revisão esmerada dos impressos; talvez o mecenas o favorecesse, igualmente, com uma joia (alguma quantia, para subsidiar suas manifestações folclóricas, e valia a pena!). Tendo-o à minha disposição amistosa, no Sioge, ele me ofereceu azulejos que eu não possuía à composição de um mosaico com alguns dos nossos maiores do folguedo, no sotaque de Guimarães(zabumba).

Boi de Leonardo (da Liberdade) é de 1956, com 60 anos, em 2016 — Como Seu Lauro (Alauriano Campos Almeida) ficou sucessor de Medonho?  Em cima da bucha,  Canuto Santos contou que Leonardo (Martins Santos), em 1955, era zabumbeiro do Boi de Medonho, e, numa divergência entre os dois, aquele saiu para fazer o seu próprio cordão, dito e feito no São João de 1956, com o Boi do Matadouro (mais tarde, da Liberdade, topônimo originado de uma consulta popular, ou plebiscito, em 1966, para a mudança do nome do bairro).

Entre minha namorada e um papo com Leonardo, em 1967 — Recordei que o plebiscito foi na gestão do prefeito Epitácio Cafeteira, quando eu paquerei uma aluna da Escola Normal, residente na Camboa, marcando encontro com bilhetes debaixo das carteiras do Liceu diurno, ambos no mesmo prédio, com a Normal no vespertino). Já em 1967, eu namorava uma liceísta, moradora na vizinhança de Leonardo, e estava numa festa dançante, no Clube de Jovens da Liberdade, em maio, eu, participante do Clube de Jovens da Madre de Deus, quando me chamou a atenção uma fogueira acesa, mais embaixo, na Rua Inglês de Souza, onde seria iniciado um ensaio de boi de zabumba. Pouco antes do guarnecer do cordão, conversei com o amo ou cabeceira do Boi da Liberdade, Leonardo, querendo entrar na meia-idade, denotado pelos cabelos já agrisalhando, eu tendo o cuidado de colocar na frente Meu Pai (Felipe Nery dos Santos/Filipão) e Minha Avó (Marcela), da amizade dele e, recentemente, falecidos, sendo ele conhecedor dos desenlaces, pois seu Boi há um bom tempo marcava presença na Festa de São Pedro, na Madre de Deus.  Retornei ao embalo dançarino da Jovem Guarda, depois de deixar minha garota em sua casa, na imediação, e com a garantia de um papo amistoso com o legendário folclorista, tempos depois, eu alicerçado em certo conhecimento, para as minhas matérias com ele para a publicação em jornal. Foi assim, quando eu, representante do Boi de Matraca da Madre de Deus, integrei a Associação dos Bumba-Bois da Ilha-ABMI, que ganhou do Governo do Estado, em 1996, a incumbência de gerenciar, em regime de comodato, o Parque do Folclore da Vila Palmeira (auxiliando grupos de todos os sotaques, inclusive com distribuição de barracas, no São João, para movimentarem com o intuito da venda de comidas e bebidas e ajudar nas despesas de cada qual).

Seu Lauro, Antero Viana, Newton e D. Zeca — Voltando ao fio da meada com o inesquecível Canuto Santos, no Sioge: Seu Lauro foi num ano padrinho do boi, e, com a desistência de Medonho, numa rezinga familiar, este passou o cajado para aquele, que levou o grupo a ser Boi da Vila Ivar Saldanha, onde morava. Administrando, também, insatisfações, perdeu boieiros de peso que nem Antero Viana (de percussionista a Pai Francisco requisitado) e D. Zeca, que compuseram seus próprios conjuntos, respectivamente, Boi de Zabumba do Monte Castelo e Boi do Bairro de Fátima, este, antes, do saudoso Newton, pai do jornalista Reginaldo Correia, já também de saudosa memória e que, secretário, recepcionou-me quando ingressei no jornal O Estado do Maranhão para ser copidesque da Redação, em 1981.

Nas pedras de cantaria — Depois da extinção do Sioge, em 1997, era na FUNC(Fundação Municipal da Cultura) e na Secma (Secretaria Estadual da Cultura), ou nas pedras de cantaria da Praia Grande, que  mais o encontrava, eu, dirigente do Boi da Madre de Deus e da ABMI, ou nos ossos do ofício de repórter.  Não cansou de confidenciar-me o que seria uma apreensão diuturna dele (qual em Memória de Velhos, publicação valiosíssima da Secma), direcionada para o seu cultuado brinquedo: “Na minha ausência, não sei quem vai assumir! Têm vários descendentes de Mizico que nunca quiseram, e desde o início ´tavam com tudo na mão. Acho até que, quando eu parar, a brincadeira para!”

Honrou sua palavra até o fim —  O Mestre Canuto Santos, com seu coração grandioso, internado no Socorrão I, na Rua do Passeio, parou! Ainda uma vez, a não concretização de um seu desejo: o primeiro, na juventude, botar Boi em Guimarães, onde nasceu a 19.1.1925, e ficado aqui por solicitação de Mizico; de outra feita, fazer a matança (auto do bumba-meu-boi, não o ritual da morte), no famoso povoado Guajeritiua, em sua querida terra vimarense. Oxalá que sua preocupação haja tido repercussão de benquerença na FUNC, Secma e Comissão Maranhense de Folclore, para, em cima dos belos necrológios, chamarem seus descendentes e os de Mizico, a fim de que, fazendo até das tripas, coração, tocarem o Boi da Vila Passos para frente!

A classe completa da religião — Li no jornal: “Fundado, em 1920, o Boi de Vila Passos já está na terceira geração, e hoje tem cerca de 60 integrantes.  O foco das homenagens este ano será o emblemático Mestre Canuto, que morreu aos 89 anos (errou, foi com 88 anos), em agosto de 2013, legando à esposa Elza Santos o comando dos brincantes. Contavam 15 anos de casados, e Dona Elza ainda recorda emocionada a última toada que o Mestre, momentos antes de morrer, cantou para ela e a filha, ele que, por toda a vida, se dedicou às mais variadas atividades, da feitura dos chapéus e instrumentos à criação das toadas. Os familiares e a comunidade do bairro se uniram ainda mais à viúva do mestre para preservar a tradição, a qual inclui também rodas de tambor de crioula e tambor de mina, ou a “classe completa da religião”, como define Dona Elza.

O Grande Léo do Boi de Zabumba— Havia lido no jornal, antes: “Morre Leonardo, fundador do Bumba-boi da Liberdade. Leonardo Martins Santos, fundador do Boi da Liberdade (sotaque de zabumba), morreu ontem em São Luís, (24.7.2004), aos 83 anos. Ele sofreu uma parada cardiorespiratória, logo no início da manhã. Em razão de diversas complicações de saúde, ele estava afastado há mais de um ano do grupo que liderou durante 48 anos. De acordo com informações de familiares, o corpo de Seu Leonardo será sepultado na manhã de hoje, no Cemitério Parque Jardim da Paz, na MA-201, que dá acesso ao município de São José de Ribamar. Logo depois da confirmação da notícia da morte do amo do Boi da Liberdade, uma grande movimentação tomou conta da residência onde Seu Leonardo morava, na Rua Alberto de Oliveira, na Liberdade. Parentes, vizinhos, amigos, artistas e intelectuais e políticos foram ao velório, prestar homenagens ao grande batalhador da cultura popular do Maranhão. Natural de Guimarães, Leonardo nasceu no dia 6 de novembro de 1921. Aos 18 anos, ele veio para São Luís na companhia de um tio. Já iniciado no bumba-meu-boi, devido à tradição de sua terra natal, ele lutou até conseguir fundar, no Bairro da Liberdade, a manifestação que, igualmente, levou o seu nome e da qual foi amo por 48 anos.”

Nota do Redator: A Matemática, ciência exata, não deixa margem de dúvida: Leonardo, em 1956, saiu do Boi de Medonho, e criou o Boi do Matadouro (depois, da Liberdade), conforme ressaltou Canuto Santos. Quando pereceu, em 2004, estava com 48 anos na lida de cabeceira (amo): somando-se 1956 e 48, teremos 2004. Portanto, o Boi de Leonardo completou, em 2016, 60 anos, não 70, como apressados divulgaram, sem a devida atenção.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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